Acompanho com tristeza os recentes desdobramentos da meteórica carreira do escritor americano Jonah Lehrer. Os eventos da última semana puseram em xeque o talento do jovem autor que, aos 31 anos, já tinha três livros lançados com enorme sucesso e despontava para uma promissora carreira.
Formado em Neurociências pela Universidade de Columbia e com Doutorado em Literatura e Psicologia em Oxford, Lehrer tem inegável talento para traduzir Ciências para o público leigo, mostrando no dia-a-dia as implicações do que se pesquisa na Academia.
Além dos livros, Lehrer era editor-assistente da Wired, até ser contratado pela The New Yorker para seu staff de articulistas. Foi quando tudo começou a azedar.
Jonah Lehrer em São Paulo - junho de 2012 (FOTO: minha mesmo)
Conheci Lehrer em junho, quando da sua vinda a São Paulo para um evento de educação corporativa no qual promoveria, também, seu mais recente livro, Imagine: How Creativity Works, resenhado como Livro do Mês no blog da PharmaCoaching.
Simpático e articulado em conversa informal, Lehrer surpreendeu-me pela sua postura em palco, ao dar sua palestra: apático, parecia ler um texto pronto, demonstrando pouca empatia com o público. Apesar de ter-se mostrado cordial e inclusive deixado uma entrevista agendada para o mês seguinte, quando da minha ida a Los Angeles, onde reside, algo parecia errado.
Minhas suspeitas se confirmaram dias depois, quando encontrei Daniel Pink em Phoenix. Comentei o encontro e minhas impressões com Pink, que disse que, de fato, havia algo errado ali. Mas, elegante, ele não disse o quê.
Numa rápida googlada encontrei o possível motivo de seu comportamento errático: Lehrer estava sendo acusado de auto-plágio, caracterizado pela reutilização de material próprio, previamente publicado, sem referência ao original. O autor requentara alguns textos antigos na The New Yorker. Uma falha grave, mas pequena em comparação com o que viria a seguir.
Em Imagine, um profundo estudo sobre as origens da criatividade e como ela funciona, Lehrer usa Bob Dylan como exemplo para alguns dos conceitos que explora no livro. Mas Michael C. Moynihan, jornalista do Tablet e fã ardoroso do ídolo pop americano, encontrou inconsistências nas referências a Dylan e começou a questionar Lehrer.
Profundo conhecedor da biografia do autor de Like a Rolling Stone, Moynihan pressionou o autor de Imagine, até que ele confessou: algumas frases e contextos haviam sido fabricados. Lehrer citou frases que Dylan nunca pronunciou e distorceu alguns fatos para embasar suas teorias.
A farsa manchou de vez a reputação de Lehrer, expondo um comportamento reprovável para um autor de sua projeção. Enquanto via-se forçado a pedir demissão da The New Yorker, sua editora, a Houghton Mifflin Harcourt, iniciava um recall do recém-lançado Imagine. De fato, o livro já não é mais encontrado na Amazon, nem na Barnes & Noble.
Mas o que leva um autor em franca ascensão a tal comportamento que, no fim das contas, pode custar-lhe a carreira? Uns dizem que o compromisso assumido com a The New Yorker seria o início de uma pressão para a qual ele talvez não estivesse preparado, sendo obrigado a publicar frequentemente, num tema extremamente complexo e original.
Outra vertente sustenta que Lehrer foi traído pela própria ambição, ao despontar muito cedo numa carreira que exige constante inovação - curiosamente, o tema de sua derradeira obra.
Qualquer que seja a razão, fica o alerta não só para os autores iniciantes sobre os limites do próprio talento, algo que muitos teimam em não reconhecer. Escrever já não é nada fácil, especialmente quando você entra numa lista de best sellers da qual não quer mais sair, ou precisa reinventar-se o tempo todo. E o mesmo vale para a textos acadêmicos.
Do outro lado, cabe aos editores o cuidado de equilibrar o que o público quer com o que sua equipe pode oferecer. Quantidade e qualidade raramente andam de mãos dadas no mercado editorial. A relação com o staff de escritores deve ser pautada pela confiança, mas resguardada pela pesquisa e investigação criteriosa dos materiais submetidos.
Fico triste com o ocorrido, porque além de gostar de Imagine e de How we decide?, sua obra anterior, Lehrer certamente tem talento para produzir livros de alto nível, sem precisar apelar a artifícios tão grosseiros quanto infantis. Porque, a bem da verdade, Imagine tem seus méritos e poderia passar sem Bob Dylan, por assim dizer.
Torço para que Lehrer aprenda as lições do erro cometido e consiga dar a volta por cima, com mais maturidade e menos ansiedade.
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