Acompanhei surpreso o compartilhamento, via Facebook, de uma ferramenta que prometia a solução para todos os problemas na educação dos filhos. Trata-se de uma tabela com regras para o recebimento da mesada pelos filhos, na qual os diversos pecados diários das crianças eram listados e, cada vez que um deles era cometido, uma determinada quantia era descontada do valor a ser recebido.
Alguns pais mostravam-se maravilhados com a inovação pedagógica e vislumbravam ali a resposta para todas as suas aflições.
O que poucos - ou nenhum - notavam era que o imediatismo desta solução funciona como uma bomba-relógio, capaz de criar problemas muito mais sérios e duradouros do que as birras cotidianas. Senão vejamos:
Em 2000, Uri Gneezy e Aldo Rutischini fizeram um interessante estudo em uma creche em Israel: preocupados com a quantidade de pais que atrasavam na hora de buscar seus filhos, os diretores da instituição resolveram estabelecer uma multa para quem chegasse depois do prazo.
O (inesperado?) resultado foi um grosseiro tiro pela culatra: os atrasos começaram a aumentar e, em pouco tempo, chegaram a um nível que levaram o diretor a suspender a multa. A explicação dos pesquisadores era que quando você estabelece uma multa para um comportamento que antes era inaceitável passa a, de certa forma, admitir o tal comportamento. Você simplesmente pôs um valor naquilo que antes não tolerava.
Imagine, por exemplo, que seu filho ganhe R$ 100,00 de presente de aniversário da vovó. Aí ele vira-se para você e diz: "Aqui estão R$ 100,00. Vou ficar 100 dias sem ir à aula." Como você vai reagir? Ou, ainda, que João não queira fazer seu dever de casa e pague R$ 3,00 para Maria fazê-lo em seu lugar?
Estas são apenas algumas formas que as crianças arrumariam para burlar o seu esquema de incentivos mas, certamente, eles serão criativos o suficiente para bolar muitas mais! Porque a única coisa que algo assim ensina é a evitar as punições - e não cumprir as obrigações.
Um segundo problema diz respeito à inevitável comparação que esta monetização cria, isto é: (não) ir ao balé/futebol tem a mesma importância que (faltar) ao curso de Inglês? E esquecer o dever de casa é tão mais grave do que não ir à escola?
Um terceiro aspecto importante é que você está ensinando às crianças, desde cedo, que elas só devem fazer algo se receberem uma recompensa por isso. Nas palavras de Dan Ariely, você está transformando sua casa em uma empresa:
"Eu tento mostrar o lado positivo das coisas que fazem em família, sem a necessidade de dar dinheiro para isso. Tento não dar dinheiro para lavar a louça ou levar o lixo para fora, senão vira uma simples troca financeira e sua casa se transforma numa empresa."
Imagine, por exemplo, se as crianças resolverem valer-se do mesmo artifício, estipulando multas para as faltas dos pais. Assim:
- Não contar estória antes de dormir: R$ 1,00;
- Não assistir a apresentação de balé/campeonato de futebol: R$ 3,00;
- Não levar ao parque no domingo: R$ 1,00;
- Não ajudar no dever de casa: R$ 0,50.
Como você sairia dessa enrascada?
Sem dúvida que educar filhos é uma tarefa das mais difíceis - e digo isso mesmo sem tê-los. Como disse no início, entretanto, estes atalhos funcionam no curto prazo mas, geralmente, costumam trazer efeitos colaterais muito graves no longo prazo. Especialmente quando tratamos de questões relacionadas à Motivação, que certamente desempenharão um papel crítico na vida destes adultos.
Obediência e respeito aos pais, responsabilidade e motivação devem ser traços do caráter e da personalidade das pessoas. E não simples mercadorias.
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* Esta não é, obviamente, a tabela original, mas um exemplo de como ela funciona.
À propósito: você sabe qual a melhor maneira de elogiar uma criança por uma tarefa bem feita? Assista ao vídeo abaixo e tire suas dúvidas:
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