A primeira vez que me deparei com o problema de Linda foi no livro do Leonard Mlodinow (The Drunkard's Walk: How Randomness Rules Our Lives), sobre o qual escrevi duas resenhas (aqui e aqui). Antes que a leitora preocupe-se com a pobre Linda esclareço: trata-se de um dos mais célebres estudos realizados por Amos Tversky e David Kahneman no campo da psicologia e sobre o qual eu só conhecia uma interpretação. Até ler Gerd Gigerenzer e seu fantástico Gut Feelings: the intelligence of the unconscious*.
O famoso estudo de Tversky e Kahneman remonta à década de 1970 e consiste numa rápida estorinha sobre uma personagem, seguida de uma série de oito proposições e, depois, uma pergunta sobre qual seria a alternativa mais provável dentro daquele contexto, tal como segue:
"Linda tem 31 anos, é solteira, comunicativa e brilhante. Formou-se em filosofia. Como estudante, era profundamente preocupada com as questões da discriminação e da justiça social e também participou em manifestações anti-nucleares."1
Depois disso, as oito proposições, as quais os participantes do estudo deveriam colocar em ordem, de acordo com o que achassem mais provável de ser verdadeiro em relação a Linda:
Linda é professora na escola primária;
Linda trabalha numa livraria e faz aula de Yoga;
Linda é ativa no movimento feminista (F);
Linda faz trabalho social em psiquiatria;
Linda é membro da Liga das Eleitoras;
Linda é caixa num banco (C);
Linda é vendedora de seguros; ou
Linda é caixa num banco e ativa no movimento feminista (F&C).2
A leitora haverá de perceber que o perfil é construído para sugerir, subliminarmente, que Linda é uma feminista (F), mas que não é provável que seja caixa de banco (C). Agora, antes de prosseguir, pare e pense por um momento: é mais provável que ela seja caixa de banco (C) ou que seja caixa de banco e feminista (C&F)?
Esse tipo de dedução caracteriza exatamente o objeto de estudo de Tversky & Kahneman: a heurística, ou os atalhos que nosso cérebro toma para resolver questões em condições de incerteza. Como a mente humana funciona quando há uma quantidade limitada de informações e precisamos tomar decisões? Como podemos concluir sobre a ocupação de Linda com umas poucas frases? E essas conclusões? Estariam elas corretas?
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Um dos preceitos da probabilidade diz que a chance de um evento ocorrer obedecendo a duas condições é menor do que obedecendo a apenas uma. Por exemplo, num baralho de 52 cartas é mais provável tirar uma carta vermelha (são 26 chances em 52) ou uma carta par (24 chances se considerarmos a Dama como número par) do que tirar uma carta vermelha e par (12 chances em 52). Quando nos perguntam se é mais provável tirarmos uma carta vermelha ou uma carta vermelha e par, certamente a primeira opção é mais razoável, correto?
Assim, é mais provável que respondam que Linda é feminista (F) do que feminista e caixa de banco (F&C). Nesse caso, foi o que o estudo comprovou, sem surpresas.
Mas a opção menos provável - que de acordo com o perfil de Linda é ser caixa de banco (C) - aparece mais votada quando é associada a ser feminista (F). Resultou, para surpresa dos pesquisadores, que feminista e caixa de banco (F&C) foi mais votado do que simplesmente caixa de banco (C), configurando um contrasenso conforme o exemplo das cartas demonstrou.
Pode-se imaginar que um conhecimento básico de estatística e probabilidade seria suficiente para eliminar esse fenômeno, batizado de falácia da conjunção (conjunction fallacy). Mas Tversky e Kahneman controlaram essa variável convidando três grupos distintos de voluntários: leigos, estudantes de graduação e estudantes de doutorado. Os resultados não mostraram, entretanto, qualquer variação estatisticamente significativa em relação à escolaridade. Ou seja, independentemente do nível de instrução as pessoas cometem os mesmos erros em probabilidade.
Um maquiavélico subgrupo desse estudo pedia aos participantes que escolhessem apenas entre duas alternativas: caixa de banco (C) e feminista & caixa de banco (F&C). Uma esmagadora maioria de 85% optou pela segunda hipótese que contraria, flagrantemente, os princípios da probabilidade.
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Uma variação sobre o mesmo tema foi realizado na Universidade de Columbia, onde os estudantes recebiam um texto de 2.000 palavras e metade do grupo deveria estimar a quantidade de palavras terminadas em "..._ _ing" (normalmente, no inglês, são verbos no gerúndio); enquanto que a outra metade precisava avaliar quantas palavras tinham a letra "n" na penúltima posição ("..._ _n_").
Para quem está vendo os dois casos é fácil notar que todas as palavras do primeiro caso encaixam-se também no segundo - pois todas as palavras terminadas em "..._ _ing" têm a letra "n" na penúltima posição (working; working). O estudo apontou, no entanto, as seguintes médias: 13,4 palavras para o primeiro e 4,7 para o segundo. Por que isso? Porque é mais fácil lembrar de palavras terminadas em "ing" do que de um "n" perdido na penúltima posição - ainda que sejam a mesma coisa!
O que os autores concluem é que quando uma das hipóteses parece fazer mais sentido, ser mais frequente ou mais representativa, tendemos a escolhê-la porque ela nos agrada mais. E essa rápida opção pela primeira alternativa ofusca nosso raciocínio matemático, relegando avaliações probabilísticas a um segundo plano.
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Mlodinow argumenta que "se os detalhes dados encaixam-se em nossa representação mental de algo, quanto mais detalhes tivermos, mais real parecerá o quadro e, portanto, mais provável".3 Acrescentar mais dados à estorinha de Linda tem o ilusório efeito de torná-la mais real enquanto que, na verdade, quanto mais opções, mais difícil resulta acontecerem todas ao mesmo tempo. Nicholas Nassim Taleb, em The Black Swan: The Impact of the Highly Improbable, chama esse fenômeno de falácia da narrativa pois, segundo ele, tais estorinhas tornam uma situação mais palatável, aceitável, plausível.
Agora que já estabelecemos o conceito da falácia da conjunção, veja no post seguinte (Heurística II - fazendo a pergunta correta) o que há de tão interessante no livro de Gigerenzer para questionar um artigo de um Prêmio Nobel.
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* Este livro foi lançado recentemente no Brasil pela Editora Best-Seller com o título "O Poder da Intuição: O inconsciente dita as melhores soluções."
1. Linda is 31 years old, single, outspoken, and very bright. She majored in philosophy. As a student, she was deeply concerned with issues of discrimination and social justice, and also participated in anti-nuclear demonstrations.
2. Linda is a teacher in elementary school; Linda works in a bookstore and takes Yoga classes; Linda is active in the feminist movement (F); Linda is a psychiatric social worker; Linda is a member of the League of Women Voters; Linda is a bank teller (T); Linda is an insurance sales person; Linda is a bank teller and is active in the feminist movement (T&F)
3. If the details we are given fit our mental picture of something, then the more details in a scenario, the more real it seems and hence, the more probable we consider it to be (...).
Estou na página 130 das 220... o livro é mesmo SENSACIONAL!!!
Abrax
Posted by: Danilo Balu | 30/04/2009 at 22:08
Interesting!
Quando li seu texto, me fez lembrar da cena do filme “Uma Linda Mulher, com Julia Roberts e Richard Gere” que é muito utilizada em treinamentos para equipes de vendas: quando a protagonista, no papel de uma garota de programa, entra em uma loja de roupas vestindo trajes vulgares e sente na pele o desprezo e o preconceito das vendedoras.
Na cena seguinte, a mesma garota de programa retorna à loja, usando modernos e caros trajes adquiridos com a ajuda de seu "acompanhante" (Richard Gere) e, então, imediatamente há mudança total na postura das atendentes. Mesmo bastante estereotipada, essa situação também ocorre com diferentes clientes exatamente no momento em que ao entrar em uma loja são de cara julgados – “esse vai comprar, esse não!”.
Talvez o pré-julgamento seja algo natural do ser humano, e basear seu julgamento em uma quantidade de informação limitada é uma armadilha corriqueira, o que nos leva a conclusões precipitadas e nem sempre corretas, não é mesmo?!
Um Beijo
Posted by: A namorada | 06/04/2009 at 23:12
Interessante a abordagem para que nos tornemos ainda mais alertas quanto aos padrões nossos de julgamentos.
Obrigada
Posted by: kaffa | 06/04/2009 at 20:54
Aêêê Rodolfo! Com o aval de Stephen Kanitz não precisa de + nada!!! hehe
Posted by: Elessandro | 03/04/2009 at 19:45
Gostei do Seu site. Parabens
Posted by: Stephen Kanitz | 03/04/2009 at 19:22
Seus textos são sempre muito bons.
Posted by: Emerson | 03/04/2009 at 14:54