Resumindo grosseiramente, The drunkard's walk (lançado no Brasil como O andar do bêbado) conta a história do nascimento e desenvolvimento da estatística e da probabilidade.
Mas espere! Não mude de canal! Leonard Mlodinow, é um cara talentosíssimo e conseguiu a proeza de escrever um livro muito agradável, com um estilo leve e bem-humorado (ele também é co-autor de "Uma nova história do tempo", com o Stephen Hawking).
Suas ótimas tiradas e um grande senso prático de aplicação de complicadas teorias, tornam temas científicos facilmente palatáveis para leigos como eu - e talvez você.
Eu o recomendaria, inclusive, para professores de estatística que não estão conseguindo a atenção de seus queridos pupilos. Tendo a achar, lembrando meus tempos de aluno (coisa recente), que quando não há um senso prático para determinada disciplina, fica mais difícil vendê-la como algo útil e que valha a pena o esforço.
Mas a beleza da obra de Mlodinow reside exatamente em mostrar-nos onde está o senso prático da estatística e da probabilidade na nossa vida. Em que momentos nós as subestimamos ou superestimamos - e de que forma ambas as situações podem ser igualmente perigosas.
A grande contribuição do livro está no alerta à nossa tendência de buscar uma razão oculta para tudo o que nos acontece. Pequenos subterfúgios matemáticos para domar a estranha sensação de que as coisas ocorrem fora do nosso controle, de forma arbitrária, sem que tenhamos o mínimo controle sobre nossos destinos.
Pois se os acontecimentos são aleatórios, significa que não estamos no controle. Do mesmo modo, se estamos no controle então os eventos não são aleatórios. E, como gostamos de pensar que estamos no controle das coisas, muitas vezes nos forçamos a ver relações de causa e efeito onde elas não existem.
Há, portanto, um conflito fundamental entre nossa necessidade de sentirmos que estamos no controle e nossa habilidade em reconhecer a aleatoriedade das coisas. E é aí que reside a principal razão pela qual interpretamos o acaso erradamente.
Um exemplo interessante disso foi dado no já citado Inevitable Illusions: How Mistakes of Reason Rule Our Minds (Wiley, 1994) onde Massimo Piattelli-Palmarini propõe um curioso problema: se lançarmos uma moeda sete vezes seguidas, qual das três opções abaixo seria mais provável de acontecer, considerando Ca = Cara e Co = Coroa?
a) Co; Co; Ca; Ca; Ca; Ca; Ca
b) Ca; Ca; Co; Ca; Co; Co; Ca
c) Co; Co; Co; Co; Co; Co; Co
Mesmo que você não queira escolher entre (a) ou (b), você descarta (c) imediatamente, certo? O problema é que se trata de uma amostra muito pequena e não haveria, portanto, uma resposta mais correta do que as outras.
Em 1957 o matemático George Spencer-Brown demonstrou, em Probability and Scientific Inference (Londres: Longmans, Green, 1957), que se gerarmos uma série aleatória de 101.000.007 zeros e uns, seriam esperadas, no mínimo, dez sequências de um milhão de zeros seguidos! Ora, desse jeito, uma mera sequência de sete Coroas soa até trivial*...
Ouvir (ou ler) algo assim, depois de tantos anos aprendendo que as chances de termos uma Cara (ou Coroa) lançando uma moeda para cima são de 50%, parece até contraintuitivo. E é! Mas isso ocorre porque nós assumimos que alguns poucos exemplos ou pequenas séries retratam fielmente uma dada situação, quando na verdade são amostras muito pequenas para serem representativas.
Tversky e Kahneman (sempre eles!) jocosamente batizaram esse fenômeno de lei dos pequenos números - que não é, de fato, uma lei, mas uma sarcástica descrição da tentativa de aplicar a Lei dos Grandes Números (esse sim, um conceito fundamental em probabilidade desenvolvido por Jakob Bernoulli, que diz que quanto mais observações a respeito de um fenômeno você fizer - mais perto estará da real descrição desse fenômeno) a séries não tão grandes assim†.
O pior dessa lei dos pequenos números é que ela parece nos dragar como areia movediça: quando estamos envolvidos numa ilusão de aparente causalidade - onde poucos eventos parecem descrever precisamente um dado resultado - em vez de procurarmos maneiras de provar que nossas idéias estão erradas, procuramos sempre formas de mostrar que estão certas.
É o que os psicólogos chamam viés da confirmação (confirmation bias): a tendência de buscar ou interpretar dados de forma a confirmar uma ideia pré-concebida, ao mesmo tempo em que se refutam ou ignoram evidências em contrário.
Ir contra a lei dos pequenos números, contudo, requer firmeza de caráter, pois você estará indo contra o (deturpado) senso comum, como um autêntico Iconoclasta... Nesse momento do livro, comecei a encontrar muitos pontos em comum com The halo effect, de Phil Rosenzweig e The black swan, de Nicholas Nassim Taleb. Mas isso vai ficar para o próximo post...
__________
* Mlodinow diz, inclusive, que completa aleatoriedade - quer dizer, o caos absoluto - é, ironicamente, um caso de perfeição.
† O curioso é que mesmo antes de conhecer esse conceito eu já havia escrito algo falando da lei dos pequenos números. Relembre o divertido estranho caso da aranha.
LEIA TAMBÉM:
Por que o seu médico deve ser bom em matemática? Um alerta de Mlodinow à forma como os erros de interpretação dos números podem colocar sua saúde em risco.
Você viu antes aqui: outro texto sobre Mlodinow e o lançamento de The drunkard's walk em português (O andar do bêbado)
Rodolfo, sou um leitor novato do seu blog e só gostaria de saber se vc sabe de algum outro livro tão inbteressante quanto esse do Leonard Mlodinow [que eu comprei].
Aki vão algumas indicações minhas:
* UMA SENHORA TOMA CHÁ:Como a estatística revolucionou a ciência no século XX _-_ David Salsburgo
* AS LEIS DO CAOS (São Paulo: UNESP, 2002) _-_ Ilya Prigogine
* O FIM DAS CERTEZAS - TEMPO, CAOS E AS LEIS DA NATUREZA (com Isabelle Stengers; São Paulo: UNESP, 1996) _-_ Ilya Prigogine
Bem, por enquanto é só isso que consegui arranjar na web sobre o assunto "estatística" para meu comentário aki ...
Vlw Rodolfo e até mais
Tchau ... !!!!!!!!!!!!!!!!!!
Posted by: len | 06/07/2011 at 16:48
Olá Rodolfo,
Agradeço o comentário no Qualidade Manaus.
Já adicinei esse link como referência sobre o "Andar do Bêbado".
Ótimo texto.
Forte Abraço.
Posted by: Renato Borges | 03/10/2010 at 22:27
Caralho Rodolfo, digitei 'drunkard's walk' no google e o seu blog veio como o segundo link... Parabens!
Posted by: Caio Buti | 22/03/2010 at 19:46
Rodolfo,
Só agora, em 06/10, vi seu comentário no meu blog (Artigo Indefinido), que você postou em 26/08 (!). Antes tarde do que nunca!Achei muito interessante o que você escreveu sobre o livro do Leonard Mlodinow, "O andar do bêbado". É claro, para mim, que você trabalha aspectos mais profundos e técnicos sobre o tema, com muita propriedade e desenvoltura. O meu post versava mais diretamente sobre a matéria da Veja, escrita pelo Jerônimo Teixeira, e não sobre o livro em si, que ainda não li. Aliás, tenho curiosidade sobre esse livro, e assim que puder vou botar meus olhos de leigo sobre ele. Em termos de assuntos matemáticos, não tenho como evitar a citação de dois livros: "O homem que calculava", do Malba Tahan (que li tanto na minha já bem distante juventude, e li novamente há pouco tempo atrás: para mim não perdeu seu encanto, apesar do apelo francamente juvenil), e "O último teorema de Fermat", de Simon Singh, que apesar de tratar de um tema árido, para a maioria dos leigos, como eu, soube dar um tratamento atraente, de maneira a produzir uma literatura eficiente.
Abraços,
Adalberto Nogueira
Posted by: Adalberto Nogueira | 06/10/2009 at 11:11
Prezado Rodolfo,
mais uma vez, obrigado pelo comentário no Cogitamundo. A propósito do tema "estatística" e os novos caminhos abertos por esta para o conhecimento científico, temos um texto que acho que está relacionado a este seu. Visite http://cogitamundo.wordpress.com/2009/02/16/incerteza-do-futuro/
abraços,
Equipe Cogitamundo
Posted by: Account Deleted | 22/04/2009 at 15:36
Olá, Walkyria, muito obrigado pelo comentário e pelo elogio!
Pois é, a gente que lê esses livros esquisitos precisa se unir!
Sua explicação do "Monty Hall" http://wsigler.blogspot.com/2009/01/minha-explicao-para-o-monty-hall.html está perfeita e bem fácil de entender. Aliás, há uma menção a isso no filme "Quebrando a banca", com o Kevin Spacey (http://www.youtube.com/watch?v=cXqDIFUB7YU)
Costumamos ficar realmente intrigados com essas peças que nossa mente nos prega - especialmente quando temos certeza absoluta que estamos certos.
Esses grandes sucessos que Mlodinow comenta lembram muito o chamado "Halo Effect", onde atribui-se características semi-divinas às pessoas dependendo do seu desempenho ou da sua empresa. A segunda parte do texto vai tratar desse assunto e mostrar que, às vezes, um presidente é apenas um bibelô...
Posted by: Rodolfo Araújo | 30/01/2009 at 18:55
Gostei muito de receber seu comentário. Achava muito improvável que alguém tivesse lido este livro, gostado dele e fizesse um comentário no meu modestíssimo blog. Gostei bastante da sua resenha, você tem um estilo profissional de escrever, quem ler seu artigo vai querer ler o livro.
Eu acho muito interessante os erros de julgamento e a nossa falta de “treino” para identificá-los. Existe um livro muito legal também, não sei se você já leu: “Innumeracy, mathematical illiteracy and its consequences de John Allen Paulos, Penguin, 1988” que eu recomendo fortemente. É até mais fácil do que o Drunkard’s walk e tem exemplos muito interessantes de disparidades entre o senso comum e a verdade matemática. Mas voltando ao livro do Mlodinow (nome exótico!) acho que o que mais gostei realmente foi quando ele menciona que grandes sucessos (livros, filmes) teriam sido fracassos se não fosse o empenho dos autores, pois que estes faziam parte de um grupo especial de pessoas, as que lutam pelas suas idéias. Isso foi muito legal, porque antes, confesso, me deu uma certa depressão de imaginar que o acaso regia o meu destino!!
O problema que me deixou mais intrigada no livro foi o episódio do “Monty Hall” (p. 43-45 e 53-55); eu não tinha entendido, depois não tinha aceitado, então, depois de horas na net procurando respostas fiz uma postagem sobre a solução do problema (06/01/2009 “Minha explicação para o “Monty Hall Problem*”.). Foi uma saga! Mas foi a parte mais divertida do livro para mim. Apreciaria muito seu parecer!
Um abraço,
Walkyria
Posted by: walkyria sigler | 29/01/2009 at 23:59