No texto anterior, comecei a explorar Iconoclast: A Neuroscientist Reveals How to Think Differently, o novo livro de Gregory Berns onde ele lista algumas características inerentes às pessoas que fazem coisas que os outros diziam que não podiam ser feitas.
Depois da percepção, a segunda característica do iconoclasta diz respeito à forma como ele se relaciona com o medo.
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Para que o iconoclasta possa, de fato, romper tradições e criar coisas novas, ele precisa ter a mente livre de algumas limitações cognitivas como, por exemplo, poucas alternativas para interpretar seus estímulos sensoriais. Deve, portanto, construir um grande repositório de informações, através da contínua renovação de suas experiências.
Buscar coisas novas e lidar com o desconhecido representa, no entanto, sair da nossa zona de conforto e trafegar por regiões onde não temos nenhum histórico. Significa encararmos desafios para os quais não estamos preparados. Mergulhar num poço que não sabemos a profundidade. E é justamente esse tipo de comportamento que dispara os sistemas de medo no cérebro.
Ao defender uma posição estranha à maioria o iconoclasta expõe-se, no mínimo, ao fracasso. Todos temos medo de errar, de perder, de não conseguir. E, assim, muitos de nós antecipamos nosso insucesso e transformamos o medo de errar em medo de tentar. Especialmente quando todos os que já tentaram não conseguiram.
Por esse motivo, muitos preferem juntar-se à multidão em vez de enfrentá-la. Alguns deixam de acreditar em suas próprias idéias para não soarem estranhos ao grupo. Outros, ainda, forçam sua percepção para adequá-las ao senso comum, por medo de parecerem diferentes.
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O psicólogo polonês Solomon Asch mostrou isso num célebre experimento na década de 1950, onde todos numa sala eram seus assistentes de pesquisa, menos um - que era a vítima, digo, o objeto da pesquisa. O estudo consistia numa série de testes visuais, onde a maioria das pessoas (que sabiam do experimento) respondia, propositadamente, de forma equivocada. Para espanto de Asch, o indivíduo estranho seguia a resposta do grupo, mesmo quando ela era nítidamente incorreta. O fato é que ninguém gosta de parecer burro, mas parecer estranho soa bem pior.
Essa conformidade é exercida no nível da tomada de decisão numa capitulação covarde ante à maioria. Muitos marcham com a multidão sem ter, sequer, a consciência disso o que sugere, assim, que sua percepção foi alterada.
Mesmo ciente do que estava vendo e discernindo entre certo e errado, a pressão social exercida pelo grupo levava o voluntário a ir contra suas convicções, em favor do consenso. Mas é preciso, de fato, muita coragem para ir contra o senso comum, discordando da opinião geral.
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Em diversos ambientes o medo de algum resultado negativo - ou até mesmo a euforia de um resultado positivo* - pode alterar nossos sentidos. Diversos experimentos mostram alterações importantes na forma como as pessoas tomam decisões, dependendo da sua exposição a fatores de estresse, pelo modo como essas situações influi em suas percepções.
Essa abordagem sobre o medo lembrou-me um exemplo interessante conduzido pelos já citados Tversky e Kahneman, que li em Inevitable Illusions: How Mistakes of Reason Rule Our Minds (Wiley, 1994) de Massimo Piattelli-Palmarini, onde era oferecido ao voluntário uma de cada par de situações abaixo:
(A) US$ 300,00 e mais US$ 100,00 certos ou (B) jogar uma moeda onde você teria mais US$ 200,00 se ganhasse ou zero se perdesse; ou
(C) US$ 500,00 e perder US$ 100,00 com certeza ou (D) jogar uma moeda e ficar sem US$ 200,00 se perder ou manter o que tem se ganhar.
Antes de passar adiante, pense em como você agiria em cada uma delas.
Do ponto de vista da probabilidade, a expectativa em ambos os casos é terminar com US$ 400,00 o que tornaria indiferente a escolha entre qualquer uma das quatro alternativas. Na prática, porém, prefere-se A em vez de B e D em vez de C. A conclusão é que ninguém quer arriscar um ganho certo, mas frente a uma perda certa, aceita-se o risco. O fato é que o medo de perder dinheiro - ou de falhar - nos faz tomar decisões inconsistente com os modelos econômicos a que recorremos, na medida em que altera o funcionamento dos nossos sistemas de percepção.
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Um dos sistemas responsáveis por nossa reação ao medo é a amígdala†, uma pequena estrutura do tamanho de uma amêndoa, localizada no lobo médio temporal e integrante do sistema límbico. Além de regular outras nuances emocionais, é ela que registra na memória as situações às quais reagimos amedrontadamente.
A amígdala coordena o que os cientistas chamam hoje de condicionamento ao medo. Assim como Pavlov demonstrou o reflexo condicionado do cachorrinho salivando ao ouvir a sineta anunciando a hora do almoço, algumas situações podem disparar os mecanismos do medo de forma automática (como taquicardia, respiração ofegante, boca seca etc.).
Recentes pesquisas mostram que o condicionamento ao medo pode ser adormecido, jamais completamente apagado. Se algum estímulo nos condicionou a alguma forma de medo, mesmo que nunca mais sejamos expostos a ele novamente, suas cicatrizes permanecem adormecidas em nossa memória, esperando o momento de assombrar-nos novamente.
Mas Berns aponta alternativas para essa pseudo-maldição. Como não podemos evitar maus momentos para sempre (o que seria ideal), a estratégia seria enxergar episódios negativos - e que poderiam desencadear um condicionamento ao medo - sob uma outra perspectiva, um diferente ponto-de-vista. Um ótimo exemplo que me vem à cabeça é o filme A vida é bela, onde o personagem de Roberto Benigni mostrava o campo de concentração a seu filho como uma grande brincadeira.
A constante exposição ao objeto do medo pode, também, reduzir seu efeito. Ensaiar exaustivamente, na frente dos seus colegas, aquela apresentação importante que será feita à diretoria pode preparar-lhe melhor para o derradeiro sacrifício (ops, tente pensar nisso sob um outro ponto-de-vista!).
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Outro importante fator que influencia o medo foi descoberto recentemente com as modernas tecnologias da engenharia genética. Dois dos principais reguladores da quantidade de dopamina (um neurotransmissor estimulante do sistema nervoso central) disponível na fenda sináptica (onde ocorrem as reações) são a DAT e a COMT. O que se descobriu é que uma simples mutação de apenas um par de amino-ácidos na cadeia protéica do gene responsável por essas substâncias, pode reduzir drasticamente a quantidade de dopamina na fenda sináptica.
Indivíduos com esse padrão podem exibir comportamentos insensíveis ao risco, ou ainda, buscar quantidades, intensidades e freqüências muito maiores de emoções para atingirem o nível de excitação desejada.
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Assim, não basta ao iconoclasta conseguir enxergar o mundo de forma diferente. Ele precisa de coragem para mostrar ao mundo o que está vendo, pois seu destino será remar contra a maré. Por isso ele sofrerá, inevitavelmente, o medo e a dor do isolamento social e, provavelmente, alguma hostilidade. Mas deve estar ciente, acima de tudo, que o medo age como o álcool, prejudicando a percepção e o julgamento e não se deve, portanto, tomar decisões sob o efeito de nenhum dos dois.
Apesar de tudo parecer conspirar contra, veremos no próximo texto que o iconoclasta não faz tudo sozinho. Entenderemos como e onde ele consegue aliados e qual o papel deles na difusão de suas (novas) idéias e com que tipo de habilidades ele conta para isso. Breve, muito breve.
ATUALIZAÇÃO: o livro acaba de ser lançado no Brasil pela Editora Best Business (Record) com o título "O Iconoclasta".
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* Lembram-se da bolha da Internet em 1999 que todos colocavam rios de dinheiro em projetos que não paravam em pé frente a uma análise mais profunda? Ou da excitação da Bovespa a 70.000 pontos antes da crise no final de 2008? São exemplos claros de fatores que afetavam nossa percepção e julgamento.
† Não se preocupe porque essa não é aquela amígdala que você tirou quando criança. Suas outrora frequentes dores de garganta não fizeram de você uma pessoa mais corajosa...
Gente,
eu sou o especialista em medo que o Rodolfo comentou... na verdade, todo mundo é especialista porque vive na pele.
Concordei com todo mundo, mas alguns comentários vão aqui. Se um sujeito tem baixo medo, as situações que gerariam medo nos outros, não geram nesse sujeito. O que pode ser desconfortável para ele são a situações "medianas". Então ele busca a zona de conforto fazendo coisas ousadas (segundo a visão dos outros) e legais ou divertidas, quem sabe, para a visão dele. Analogia: ser líder é difícil, mas para quem tem liderança forte, o difícil é ser segundo escalão pra baixo.
Quanto ao suicídio, como o medo pode colocar as pessoas em roubadas, e se forem muitas, a pessoa pode impulsivamente se matar. Quem tem baixo medo tende a ter o humor um pouco mais alto do que os que tem medo médio ou alto. Se a realidade for dura, para ele que está acostumado com uma altura maior, o tombo também pode ser maior.
A falta de medo sem controle (direção e planejamento, que tem a ver com o lobo frontal) é um desastre. Mas pra quem tem alto controle, é uma combinação que favorece sucesso. Outra analogia: sem freio e ruim no volante = desastre. Sem freio e fera no volante = chega na frente.
Mas aí vem o outro componente que deve ser fundamental nos iconoclastas: a vontade ou desejo. Esse é que é o acelerador. Pode soar estranho, mas ousadia tem mais a ver com baixo medo e coragem tem mais a ver com vontade (prima da raiva - basta ver o que acontece quando algo acontece contra a nossa vontade). A vontade é uma ação, é ativa, avança. A ousadia, como antônimo do medo, é não recuar. Analogia: o ousado não escapa se o chamarem pra briga. O corajoso vai lá e dá a primeira porrada. Mas claro que quem tem baixo medo, alta vontade e baixo controle (que favorece a conversão da vontade em raiva) se atira em cima e não quer nem saber.
Dr. Diogo Lara
Posted by: Diogo Lara | 22/01/2009 at 14:58
Olá, pessoal, obrigado pelos comentários!
Bom, não sou um especialista em medo, mas há questões interessantes. O medo é, realmente, um fator de preservação. Alguns casos conhecidos de pessoas com lesões na amígdala tinham baixa sensibilidade ao medo, o que as expunha a riscos desnecessários.
Lembro o famoso episódio do explorador australiano de um programa de TV que morreu recentemente com uma ferroada de uma arraia. Seu caráter destemido custou-lhe a vida.
Sobre o suicídio, creio ser um caso um pouco mais complicado, onde outras patologias psiquiátricas contribuem para um atentado à própria vida. Como dito no texto, alguns fatores contribuem também para uma avaliação equivocada da realidade, prejudicando a percepção da pessoa em relação àquilo que a cerca. De todo modo, não considero-me qualificado para uma opinião nesse assunto. Vou pedir a um amigo médico que venha aqui dar sua contribuição.
Abraços, Rodolfo.
Posted by: Rodolfo Araújo | 22/01/2009 at 01:54
a falta de medo nao pode tornar uma pessoa propicia ao suicidio?
Posted by: will | 21/01/2009 at 22:59
O medo é natural do ser humano e precisaria ser controlado. Excluí-lo pode não ser benéfico.
O excesso de medo, como acentuado no post, torna as pessoas incapazes de tentar, superar obstáculos e principalmente, pensar/agir de forma diferente dos demais. Precisamos sim sair da zona de conforto.
Mas....A falta de medo, também pode ser prejudicial. Viver sem medo também levaria uma pessoa à "zona de conforto". Imagina como seria medíocre a vida de uma pessoa sem medo? A mesma já teria infinitas realizações, restando então concluir sua vida de forma prepotente desprezando os demais mortais que foram incapazes de vencer o medo.
Num sei....acho que gosto de ter um pouco de medo. Utilizar tais alternativas (constante exposição ao medo, ensaiar exaustivamente, etc) de "suavizar" o medo parecem ser mais eficientes.
Falando em técnicas alternativas, esses dias assisti a um programa de TV que mostrava como combater o medo de aranha. Travava-se de um simulador virtual em que a pessoa com medo de aranha colocava aqueles óculos virtuais. No vídeo, o aracnídeo virtual atacava a pobre tiazinha amedrontada e ela retornava com vassouradas virtuais na aranha. Eu dei muita risada!
Excelente post!
Abraços
Erisson
Posted by: Erisson | 19/01/2009 at 12:54
Sensacional, Rodolfão!!!
Creio que, pelo menos pra mim, mudar a relação com o medo é uma das tarefas mais árduas na vida. E o mais estranho é que mesmo sem termos tido nenhum contato com a consequência de algum fato, o medo já nos "trava" na ação, ou seja, o cérebro já interpreta uma relação de terceiridade (processo de algum evento já conhecido), sem nem mesmo tido a primeiridade (primeiro contato com algum objeto).
O medo e a percepção andam casadas e bem grudadas, infelizmente.!
Pergunta.
Você diz em sair da zona de conforto. Depois de tantos anos trabalhando no automático, o cérebro consegue fazer novas associações? Mudando nossas atitudes com relação ao que conhecemos muda o cérebro?
Abraços.
Posted by: Eder Rabelo | 18/01/2009 at 23:12