Hoje eu precisava que um dos membros do nosso board de diretores me ajudasse a tomar uma decisão importante aqui na empresa. Meu primeiro impulso foi escrever um email para eles, explicando a situação e solicitando o aconselhamento.
Mas aí lembrei de um artigo que li recentemente no Inside Influence falando sobre o velho truque da difusão de responsabilidade. O nome é lindo; as conseqüências, terríveis. Imagine que eu tivesse enviado o email para quatro membros do board, pedindo que alguém me indicasse um caminho a seguir. Uma reação natural seria um achar que o outro vai responder. E aí ninguém responde.
Provavelmente você já passou por isso. Pediu algum favor a vários amigos através de email, onde cada destinatário podia ver a lista dos outros que receberam a mesma mensagem. O mais provável de acontecer nesse caso é cada um recolher-se à sua inércia, porque imagina que alguém resolverá o seu problema.
É uma aplicação online do velho ditado "cachorro com dois donos morre de fome". Mas esse não é um problema moderno e muito menos ocorre apenas em casos triviais. Até porque cachorro sem dono algum também pode morrer de fome.
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Todos nós já estivemos diante de situações em que alguém precisa de ajuda, mas ninguém toma uma atitude. O célebre caso de Kitty Genovese, ocorrido em Queens, Nova Iorque, iniciou uma série de debates por todo o país em busca de explicações sobre o que aconteceu àquela jovem no fatídico 13 de março de 1964.
Kitty foi atacada por Winston Moseley quando chegava em casa de madrugada, sendo apunhalada duas vezes pelas costas. Seus gritos espantaram momentaneamente o agressor e, mesmo ferida, ela tentou chegar em casa. Minutos depois Moseley voltou a esfaqueá-la. Enquanto agonizava, foi estuprada e US$ 49,00 foram roubados de sua bolsa. Ferimentos em suas mãos mostraram que ela lutou por sua vida durante agonizantes 35 minutos, gritando desesperadamente por socorro.
Moseley foi condenado à pena de morte, mais tarde reduzida a 20 anos de prisão ou perpétua pela Corte de Apelação de Nova Iorque. Catherine Genovese morreu aos 28 anos de idade.
Frederick M. Lussen, o detetive encarregado do caso ficou chocado com o crime - apesar dos seus 25 anos de experiência - mas não por sua frieza ou brutalidade. Seu espanto foi ao descobrir, durante suas investigações nas vizinhanças, que nada menos que 38 pessoas haviam presenciado o ataque em algum momento, de alguma forma. Mas ninguém chamou a polícia, segundo os registros da central de atendimento.
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Da inércia dos amigos ao descaso da população que testemunha crimes violentos há uma longa distância. Mas no meio desse caminho muita coisa pode ser evitada - inclusive as situações de vida ou morte. Cialdini relata - em seu mais-que-citado-aqui Influence: the psychology of persuasion* - um emblemático experimento realizado por dois professores de Psicologia de Nova Iorque, Bibb Latané e John Darley. O enredo consistia em simular situações de emergência e observar a reação das pessoas enquanto indivíduos isolados ou grupos.
Numa delas, um assistente que simulava uma crise epilética num local público recebia ajuda de 85% dos transeuntes que testemunhavam sozinhos a situação. Mas quando havia mais de uma pessoa, ele era socorrido em apenas 31% das vezes.
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O que faz com que sejamos soliTários soliDários, mas insensíveis coletivos? Onde a solidariedade individual - característica inerente à maioria de nós - dilui-se numa multidão apática e indiferente?
LEIA MAIS: Experimentos em Psicologia: Latané, Darley e a paralisia coletiva
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* Disponível no Brasil pela Editora Campus com o título "O poder da persuasão"
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