Depois de The tipping point e Blink, o inglês de nascimento, canadense de criação e novaiorquino por opção Malcolm Gladwell repete sua receita de sucesso e nos dá outro de seus best-sellers: Outliers: The Story of Success* (Little Brown, 2008). Recém-lançado (18 de novembro de 2008) seu novo livro já é o sétimo na lista de mais vendidos da Amazon - o que dá uma pequena mostra da força de suas ideias.
Bastou um capítulo para que eu fosse tomado por sua nova proposta de que o sucesso não é apenas uma questão de mérito pessoal, mas diversos outros fatores contribuem para que uma pessoa destaque-se em sua área de atuação e tenha desempenho superior numa determinada atividade. Um pouco da velha máxima the right man, in the right place.
Refiro-me à parte onde Gladwell descreve o que se convencionou chamar de "efeito Mateus": há uma passagem bíblica onde um rico senhor dá a três de seus servos diferentes quantias de dinheiro, instruíndo-os a multiplicá-las. Um recebeu cinco talentos (moeda da época), outro dois e um terceiro apenas um. Os que receberam cinco e dois talentos regressaram, tempos depois, com o dobro da quantia original. O que recebera apenas um talento voltou com a mesma quantidade.
O senhor louvou, então, ambos os que prosperaram e ordenou ao que apenas guardou o dinheiro, com medo de que lho roubassem, que entregasse sua quantia ao mais próspero. Resumindo a parábola sobre acreditar e ter fé, Mateus disse: "A todo aquele que tem, será dado mais, e terá em abundância. Mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado" (Mateus, 25, 28-29).
Fecha a Bíblia, volta a Outliers e ao que isso tem a ver com o sucesso das pessoas.
A primeira teoria de Gladwell para mostrar a origem do sucesso de pessoas extraordinárias remonta às nossas origens individuais. Para o autor onde e quando nascemos e crescemos exercem grande influência no nosso desenvolvimento e em nossas chances de sermos bem-sucedidos. A cultura a que pertencemos e os legados recebidos de nossos antecessores têm, segundo ele, consequências diretas em nossos feitos, de uma forma que sequer imaginamos.
Um exemplo bastante ilustrativo disso pode ser verificado nas ligas esportivas estudantis dos países do primeiro mundo (nehum ranço terceiro-mundista, mas é que nesses países o esporte nas escolas é extremamente bem organizado; muito provavelmente esse fenômeno também é observado aqui no Brasil, como se verá adiante).
Observando a lista dos jogadores de uma partida final da liga escolar de hóquei sobre o gelo no Canadá, um fato curioso saltou aos olhos: 14 dos 25 jogadores nasceram entre janeiro e março. São 56% em vez dos 25% esperados. Apenas 5 nasceram no segundo semestre (20% em vez de 50%). Ora, mas de que forma o mês de nascimento de uma pessoa interfere em sua performance esportiva?
Aparentemente, não muita coisa. Mas quando a criança tem seis, sete anos - que é quando começam as "peneiras" dos times infantis - quem nasceu em janeiro é onze meses mais velho do que quem nasceu em dezembro. Nessa idade, quase um ano faz uma diferença enorme - só para ficar na parte física, por enquanto. O que ocorre a partir daí? A criança que tinha uma pequena vantagem (força física, desenvolvimento) passa a receber treinamento técnico, tático, psicológico, preparação muscular e o que antes era um leve desequilíbrio para com seus amiguinhos, passa a ser um abismo†.
Esse é o fenômeno batizado pelo sociólogo Robert K. Merton de profecia auto-realizável (self-fulfilling prophecy) ou efeito Pigmaleão, onde a simples previsão de que algo vai acontecer conspira para que ela ocorra de fato. Deixo claro que não me refiro aqui aos mantras da auto-ajuda ("pense positivo, Ícaro, e você voará!"), mas ao simples fato de que treinar um menino de sete anos num ambiente profissional, seis horas por dia, durante dez anos fará dele um atleta muito melhor do que seu colega que dedica-se ao esporte somente nos finais de semana (isso é abordado no capítulo seguinte, onde Gladwell apresenta a "regra das dez mil horas"). E por que isso aconteceu, em primeiro lugar? Simplesmente porque um nasceu em janeiro e o outro em novembro.
Nas ligas onde as datas de corte não são o primeiro dia do ano, o fenômeno se repete conforme o caso: no futebol inglês, que divide os atletas nascidos antes e depois de 1º de setembro, a maioria dos jogadores faz aniversário entre este mês e novembro.
Sei que parece uma teoria radical, porque arbitrária. Mas outras estatísticas comprovam esse fato: a seleção juvenil de futebol da República Tcheca da Copa do Mundo sub-20 de 2007, por exemplo, tinha 15 de seus 21 jogadores nascidos entre janeiro e março (foi vice-campeã). A Argentina (campeã do torneio) tinha onze e Portugal nove. O Brasil apenas cinco. Isso contradiz a teoria? Provavelmente não. Fora a conhecida habilidade inata que o brasileiro tem para o futebol, nós podemos jogar em qualquer metro quadrado de terreno disponível, com algum objeto que se assemelhe a uma bola. Não fazer parte de uma equipe não reduz tanto assim as oportunidades de um brasileirinho praticar o futebol. Bastante diferente de quando é preciso uma pista de gelo, tacos e um puck.
Mas isso só ocorre no esporte? Parece que não. Um estudo de 2006, das pesquisadoras Kelly Bedard e Elizabeth Dhuey mostra que os resultados em testes de Matemática e Ciências de crianças nascidas nos primeiros meses do ano são significativamente melhores do que das do final do ano.
Na fase escolar, dez ou onze meses fazem muita diferença para o desenvolvimento intelectual de uma criança. Mas o fato mais alarmante nesse estudo é que essas crianças (com melhores resultados) são colocadas em turmas mais avançadas e grupos especiais de estudos - o que as distanciará ainda mais de seus coleguinhas.
Bom, para o primeiro capítulo acho que está bom. Vamos aguardar os próximos... A propósito, eu nasci em outubro.
PÓS-POST: Os outros capítulos já estão prontos. Confira, na ordem: Outliers - as dez mil horas; Outliers - habilidades sociais; e Outliers - epílogo.
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* Disponível no Brasil pela Editora Sextante com o Título "Fora-de-série: outliers, descubra porque algumas pessoas têm sucesso e outras não".
† "The professional hockey player starts out a little bit better than his peers. And that little difference leads to an opportunity that makes that difference a bit bigger, and that edge in turn leads to another opportunity, which makes the initially small difference bigger still - and on and on until the hockey player is a genuine outlier. But he didn't start out an outlier. He started just a little bit better."
Estou lendo os capítulos finais deste livro que, como aconteceu com nosso blogueiro, me capturou desde o início; desde a semana passada fico procurando qualquer tempo livre para continuar a leitura.
A proposta para mim é nova, mas muito interessante e, inevitável, o capítulo que demonstra o comportamento de famílias na criação dos filhos sendo importante e decisivo para o sucesso das crianças, faz a gente pensar sobre a nossa própria criação e sobre o que estamos fazendo com nossos filhos neste momento.
Ontem comprei O Ponto de Desequilíbrio e Blink de uma vez e vou engatar nos dois assim que acabar Outliers.
Um grande abraço a todos.
Posted by: Fernando Monteiro Correia Pinto | 11/07/2009 at 11:38
Cara, esse é deinitivamente o melhor Blog do Brasil!
Fiquei o dia inteiro debruçado em minha mesa lendo seus posts.
Parabéns mesmo! De verdade! Não é aquele "parabéns" habitual, você realmnte merece meus aplausos.
Possuo um Blog também, com uma temática diferente, linguagem diferente, mas às vezes um pouco polêmico também, o http://dinheirologia.blogspot.com . Tenho certeza que o fato de acompanhar seu Blog, enriquecerá tanto a mim como o Dinheirologia.
Quanto ao livro, nasci no início de Fevereiro, tenho um QI de 140, minha determinação não me deixa parar de treinar nem durante as madrugadas...
Então por quê será que ainda não atingi o sucesso?!?! Hehehe
Posted by: Account Deleted | 07/07/2009 at 16:05
Olá, li um post anterior em que vc fala sobre a curiosidade de saber de onde vieram seus leitores.
Cheguei aqui pelo google quando procurava sobre Outliers de Malcolm Gladwell (li sobre este na revista Galileu). Adorei os seus posts e me inscrevi para receber por e-mail (ótima ferramenta), o que vc escreve tem a ver com vários dos meus pensamentos e por aqui fico conhecendo outros blogs mt bons.
Satisfazendo sua curiosidade ... sou carioca, 27 anos, biólogo não praticante, concurseiro, caucasiano, vegetariano, estressado, leitor de mangás e do seu blog.
Posted by: Raphael | 15/04/2009 at 14:26
Fui atraido pelo comentário que deixastes no blog do Cineman e dei uma volta pelo teu comentário. Gostei muito.
Um grande abraço
Cineman
Posted by: Cineman | 08/04/2009 at 15:24
É, meu caro, já debatemos bastante esse assunto - de onde, inclusive, surgiu essa produtiva amizade.
Concordo que o livro poderia ter economizado algumas árvores sendo mais resumido. Mas a questão da causalidade e da aleatoriedade dos eventos é mais uma forma de enxergar o mundo, não de explicá-lo.
Esses relatos contam muito mais como explicação retrospectiva do que como fórmulas de sucesso. E acho válida a reunião de vários temas, assuntos e autores numa única teoria, por mais que isso cheire a prato requentado.
Abraço, Rodolfo.
Posted by: Rodolfo Araújo | 30/03/2009 at 16:35
Rodolfo, gostaria de ter lido o teu artigo sobre Outliers antes de ter perdido tempo lendo o original. Explico: você conseguiu extrair e explicar sucintamente exatamente o que há de bom no livro - coisa que o Gladwell enrola, enrola, enrola, enrola, até conseguir.
O que me incomoda nessa salada de frutas é o seu ingrediente principal: Gladwell atribui o sucesso a um fator esotérico. Nesse sentido, seu livro tem um valor igual ou menor a outros sucessos editoriais do gênero, como O Segredo ou A Lei da Atração (talvez por isso Outliers tenha sido lançado pela Sextante aqui no Brasil).
Na visão míope do sujeito, têm sucesso aqueles que têm sorte (por mais que ele traga teorias de terceiros que tentam explicar outras variáveis envolvidas na fórmula do sucesso). Quando ele vem com essa, o livro vira uma versão desanimada do De Volta Para o Futuro: se meus pais não tivessem se conhecido naquele dia, eu não teria nascido. Esse exercício do "se" é infrutífero e até mesmo infantil. E se Hitler tivesse ganho a guerra? E se a URSS tivesse ganho a Guerra Fria? E se um jumento tivesse atropelado o Malcom Gladwell, ele teria escrito essa besteira? A vida é o que é - e o que conta é como respondemos a ela.
O cara certo na hora certa? Concordo com o Vandré: quem sabe faz a hora - não espera acontecer.
Para não me estender demais, deixo o link para o meu artigo sobre o Outliers: Muito Barulho Por Nada: http://www.administradores.com.br/artigos/muito_barulho_por_nada/27846/
Abraço!
Posted by: Leandro Vieira | 30/03/2009 at 16:04
Oi Rodolfo,
Seu blog me fez ter um daqueles raros momentos ( e eu nem fumei Carlton) de não ter lido (ainda) mas já ter amado. Mais ou menos como naquele filme com a Anne Bancroft:"Nunca te vi, sempre te amei",
Rapaz! Parabéns pela elegância da sua escrita e da estética. Vou ler e volto com algum comentário minimamente inteligível.
Sucesso,
Maristela
Posted by: Maristela | 22/01/2009 at 08:10
Fala Rodolfo! Feliz 2009 pra gente!
Hj estava lendo o único blog gringo que leio sobre análise esportiva. Ele é sul-africano e é bom porque não fala de notícia, faz sim análises matemáticas fantásticas de atletas (Usain Bolt, Armstrong, Phelps...), equipamentos (maiôs), antidoping... o blogueiro voltou de férias e o 1o post foi sobre um livro que ele diz ter lido nas férias: Outliers.
Bom, ele está no 3o post seguido comentando a parte da diferença de idade e consequências no esporte com uma visão interessante tentando sugerir algo. Já li os 2 1os... bacana!
blog
http://www.sportsscientists.com/
1o post
http://www.sportsscientists.com/2009/01/matthew-effect.html
2o post
http://www.sportsscientists.com/2009/01/matthew-effect-part-2.html
3o post (não li ainda)
http://www.sportsscientists.com/2009/01/nature-vs-nurture.html
Abrax
Feliz Ano Novo mais uma vez!
Balu
Posted by: Danilo Balu | 07/01/2009 at 12:19
Sim, Miltão, li ambos. Tanto "Blink" quanto "The tipping point" apresentam idéias diferentes do pensamento habitual sendo, por isso, bastante interessantes. Além disso, o Gladwell escreve de uma forma que a leitura torna-se bastante agradável e até fácil. Recomendo para alunos de inglês de todos os níveis! Abraço, Rodolfo.
Posted by: Rodolfo Araújo | 16/12/2008 at 11:37
Vi seu comentário no meu blog e li sua crítica sobre o livro.
Realmente o livro é muito bom mas além do que pude ver, das questões genéticas, demográficas e tudo mais, utilizei os ensinamentos para focar na questão do treino, o que tirei como lição é que com trabalho e esforço todos poem ser bons em qualquer área.
Você já leu os outros livros dele?
Abraço
Posted by: José Milton | 09/12/2008 at 22:55
Huum, já estou de olho nesse! É do mesmo nível do Blink e do Tipping Point?
Achei muito bom o teu texto!
Abração
Posted by: Diogo | 02/12/2008 at 16:00
Rodolfo, já que você nasceu em outubro, tudo bem se você não pratica nenhum esporte com destreza. Aliás, será que esse post não é um manifesto inconsciente justificando o fato de você ser perneta no futebol, pangaré no tênis ou algo semelhante?
Outro ponto é que eu poderia jurar que já li isso em algum lugar... Ah, sim! Freakonomics! Acho que houve uma certa incorporação do estudo do Levitt. Rs.
Agora, que isso é verdade, sem dúvida. Quando eu levava tênis mais a sério e competia, por ser nascido em outubro também, tinha de jogar com pessoas mais velhas e com mais força física.
Bom, eu não tenho o livro, logo você não tem como me tirar. Mas em compensação você pode me emprestar depois de ler, que acha?
Posted by: Caio Buti | 26/11/2008 at 19:11
Olá Rodolfo, obrigado por visitar meu blog e fazer um comentário. Gostei do comentário e do seu blog. Voce baixou meu livro pra dar uma olhada? Faça isso, por favor. preciso de opinioes de pessoas bem preparadas como voce antes de publicar. Abraço.
Posted by: Atila Real | 26/11/2008 at 11:09
Fala Rodolfo! Fiquei de comentar aqui alguns causos e experiências pessoais.
Sobre a questão do esporte escolar, vc está mais do que certo! Vou te dar uma experiência pessoal. Nas categorias escolares temos divisões a cada 2 anos. Sendo assim, em um ano vc é mais velho enqto no ano seguinte vc é o mais novo. Vc viu pelo livro que 11 meses já era mto, então não preciso nem te dizer o que eu comia poeira no atletismo no ano que eu era o mais novo. E no ano seguinte ia mto melhor! Nos esportes coletivos vc vê maioria dos "velhos" jogando e só os "novos" realmente bons como titulares. É um padrão difícil de se resolver.
Talvez vc não saiba, mas os chamados gatos no futebol brasileiro são tão comuns qto deputado ladrão em Brasília. Estou exagerando? Não! Há cartórios em alguns estados do Norte e Nordeste que sozinhos devem registrar provavelmente metade dos jogadores nordestinos que jogam em SP. MTO sério!
Não tenho aqui o link da notícia, mas ano passado o Corínthians teve que anular a compra de 3 "talentos" de Roraima ou Amapá porque eram registrados no mesmo cartório no mesmo dia. Tenho um amigão treinador que diz que o Ronaldo Fenômeno alegados 31 tem hj uns 33. Outra.... viviam dizendo anos atrás que jogador brasileiro se aposentava cedo por causa do calendário, dos campos, do excesso de jogo.... balela! Todo mundo sabe que jogador brasileiro de 33-34 anos pára de jogar porque tem na verdade 35-36.
Conhece o LeBron James (NBA)? Pergunte quem no basquete acredita na idade dele...
Outro exemplo. A seleção de futebol Jamaicana no Pan (sub18 ou qq coisa) tinha 8 (OI-TO) jogadores nascidos na data limite. Dia? 01 de Janeiro! 8 jogadores! Qual a chance disso ocorrer? hahaha
Ou seja, o livro mostra "gatos naturais" que tiveram vantagens iniciais. Se eles continuarão no futuro como gdes atletas, os números podem dizer.
O pessoal que estuda Aprendizagem Motora e "Treinamento Esportivo na Infância e na Adolescência" aqui no Brasil vive reclamando que a especialização precoce faz com que mtos que conquistam títulos nas categorias de base não chegam ao topo na idade adulta por erros de treinamento. E a resposta mtas vezes é tão simples e ninguém parou pra pensar nisso... era mtas vezes questão desse "doping natural" da idade!
Abraços
Mantenha o nível e o ritmo do blog!
Balu
Posted by: Danilo Balu | 25/11/2008 at 23:15
Rodolfo gostei muito da sua resenha. Ainda não recebi o livro comprado, mas já sei que vou gostar. Acho Gladwell muito sedutor na sua maneira de apresentar idéias complexas, às vezes até matemáticas, de maneira que todos nós não só possamos entender e até mesmo utilizá-las. Um abraço, Ladyce
Posted by: Ladyce | 25/11/2008 at 19:16